O ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Francisco Queirós, declarou hoje, em Luanda, que o processo de reconciliação em Angola assenta na experiência “bem sucedida” do perdão e reintegração, sem se apontar culpados, vítimas, vencido ou vencedores. Claro. Bem visto. Um bom exemplo de tudo isso é considerar Agostinho Neto como o único herói nacional, ou Hoji Ya Henda como patrono da juventude angolana.
Francisco Queirós discursava na cerimónia de empossamento dos membros do grupo técnico-científico da comissão para a implementação do Plano de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos, cujo coordenador é o historiador Cornélio Caley.
O governante disse que, apesar das recomendações da União Africana e da sua experiência de reconciliação, em Angola deve-se ter em conta o sucesso do processo do fim da guerra, alcançado a 4 de Abril de 2002, que permitiu a pacificação e reintegração de irmãos desavindos, sem esquecer a diabolização de Jonas Savimbi.
Exemplificou que ao contrário dos conflitos políticos como o da África do Sul, onde o “apartheid” (então regime segregacionista) era uma política de Estado e os agressores estavam identificados, em Angola as querelas não eram politicamente programadas, mesmo quando o MPLA recorreu ao enorme apoio de Cuba e da Rússia e a UNITA à ajuda sul-africana.
Francisco Queirós citou, ainda, como exemplo o caso do 27 de Maio de 1977, altura que o país tinha apenas um ano e seis meses de independência, estava em conflito interno e existia um contexto de guerra entre as grandes potências (guerra fria), com impacto na vida interna, justificando-se de acordo com a interpretação do ministro a ordem de Agostinho Neto para massacrar milhares e milhares de angolanos.
Para o ministro da Justiça, seria arriscado abrir, em Angola, um processo de reconciliação idêntico ao que se fez na África do Sul, por se recear acusações que façam perigar o sucesso do actual processo de submissão esclavagista ao qual Francisco Queirós chama reconciliação, “conseguido sem acusações, nem exigência de perdão”, e é contra a repetição de episódios de violência.
O ministro reafirmou que o programa de reconciliação em memória das vítimas visa essencialmente unir os angolanos para construir as bases da democracia, economia de mercado, desenvolvimento económico e social, inclusivo, em prol do bem-estar da população e em defesa da soberania. Tudo, convenhamos, desde que ninguém ponha em causa que Angola é o MPLA e o MPLA é Angola.
Francisco Queirós exortou (de acordo com as ordens superiores) o grupo técnico-científico, empossado hoje, a identificar as vítimas, a sua caracterização histórica, sensibilizá-las para o perdão, preparação de um futuro de paz e de harmonia. E se houver (“haver”, diria o Presidente do MPLA) a garantia de que o MPLA poderá continuar no Poder durante mais 55 anos, então a reconciliação será total…
O coordenador do grupo técnico-científico da Comissão para a Implementação do Plano de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Político, Cornélio Caley, apontou como missão trabalhar para “que os angolanos se abracem, fortaleçam a democracia e promovam o desenvolvimento do país”.
Cornélio Caley foi muito bem escolhido. Conseguiu, imediatamente, dizer o mesmo que pouco antes tinha sido dito pelo ministro. Copiar e colar é uma técnica que dará frutos a todos quanto para contarem até 12 têm de se descalçar… e que, dessa forma, poderão chegar a ministros.
O também historiador disse considerar essencial avançar com o perdão, analisar, os acontecimentos havidos em partidos, muitos dos quais com “passivos por resolver”.
Integram a comissão várias individualidades, representando partidos políticos, igrejas e organizações socioprofissionais e da sociedade civil, bem como académicos.
Destacam-se o padre Celestino Epalanga, da Comissão Justiça e Paz da CEAST, Luís Jimbo, do Instituto de Sistemas Eleitorais, o reverendo António Mussaqui, os juristas Salvador Freire dos Santos, Solange Pereira e Carlos Manuel, o historiador e sociólogo Francisco Alexandre, a advogada Florbela Malaquias e o politólogo Fernando Faria.
A historiadora Luzia Milagre, o psicólogo José Nkossi, o artista António Tomás Ana “Etona”, o docente Mário Pinto de Andrade, também, integram o grupo técnico-científico, hoje empossado.
Do alto da sua torre de divina sabedoria, o Presidente João Lourenço ordenou a criação de uma comissão para elaborar um plano geral de homenagem às vítimas dos conflitos políticos que ocorreram em Angola entre 11 de Novembro de 1975 a 4 de Abril de 2002.
Segundo uma nota da Casa Civil do Presidente da República de Angola, João Lourenço inclui entre os conflitos a “intentona golpista do ’27 de Maio’ [de 1977] ou eventuais crimes cometidos por movimentos ou partidos políticos no quadro do conflito armado”.
Para quem não sabe, como parece ser o casso dos escribas que redigiram a nota, ou até mesmo do próprio Presidente do MPLA, intentona significa: “Intento ou empresa insensata, conluio de motim ou revolta”.
João Lourenço justificou a decisão como um “imperativo político e cívico do Estado” para “prestar condigna homenagem à memória de todos os cidadãos que tenham sido vítimas de actos de violência, resultantes dos conflitos políticos”. Um “imperativo político e cívico do Estado” que o MPLA/Estado leva a efeito sem ouvir, muito menos integrar de forma assertiva, os que são capazes de dizer que nem o Presidente nem o MPLA são donos da verdade.
“Convém instituir um mecanismo para a promoção da auscultação e de um diálogo convergente, no sentido de se assegurar a paz espiritual da sociedade, face a episódios do passado na convivência nacional que possam perturbar a unidade e o sentimento de fraternidade entre os angolanos”, salientou o chefe de Estado (não nominalmente eleito), Presidente do MPLA (o único partido que governou Angola desde a independência) e Titular do Poder Executivo.
A Comissão para a Elaboração de um Plano de Acção para Homenagear as Vítimas dos Conflitos Políticos, segundo João Lourenço, é coordenada pelo ministro da Justiça e dos Direitos Humanos e ex-ministro da Geologia e Minas, cargo para o qual foi nomeado aos 28 de Outubro de 2012 por José Eduardo dos Santos, Francisco Queirós, e integraria vários outros departamentos ministeriais e – porque não se brinca em serviço – o Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE).
Segundo João Lourenço, a comissão tinha o prazo de 30 dias para apresentar o Plano de Acção de Homenagem às Vítimas dos Conflitos Políticos e respectivo cronograma de implementação e um período de vigência até 31 de Julho de 2021 para concluir os trabalhos.
A comissão, prosseguia o decreto de João Lourenço, deve preparar e submeter à aprovação do Presidente da República um programa que contenha um conjunto de acções para que se preste “homenagem condigna à memória dos cidadãos que faleceram como resultado dos conflitos que ocorreram no país no período referenciado”.
“Tal tem a finalidade de se curar as feridas psicológicas das famílias e de regenerar o espírito de fraternidade entre os angolanos através do perdão e da reconciliação nacional”, argumentava o chefe de Estado de Angola.
Como símbolo paradigmático da benemerência de João Lourenço pode apontar-se o que se passou no Cuíto Cuanavale. No dia 23 de Março de 2019, de uma forma que não gera dúvidas, João Lourenço assumiu que só é Presidente dos angolanos do MPLA. Na cerimónia de branqueamento da batalha do Cuíto Cuanavale, condecorou meia centena de antigos combatentes, nenhum deles esteve ligado às Forças Armadas da Libertação de Angola (FALA) – exército da UNITA, mas apenas às Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA), do MPLA, do seu MPLA.
Nesse sentido, a comissão terá de propor “mecanismos apropriados” para identificar e comunicar-se com as famílias e as entidades colectivas ou singulares com interesse no assunto “e obter a cooperação que delas se espera”.
“Deve também apresentar sugestões sobre o modo como o Estado angolano deve prestar uma homenagem condigna aos cidadãos vítimas dos conflitos políticos e trabalhar com as instituições apropriadas para elaborar os projectos e orçamentos da construção do monumento e os actos de homenagem”, lê-se no decreto.
No decreto, João Lourenço frisa que, para o “cabal desenvolvimento das suas atribuições”, a comissão deve consultar, dentre outras, instituições como os ministérios das Relações Exteriores, da Família, Acção Social e Promoção da Mulher, da Saúde e da Cultura, bem como os partidos políticos com assento parlamentar, organizações religiosas reconhecidas como tal, organizações “idóneas” da sociedade civil e outras “cujo objecto social facilite o alcance dos seus fins”.
O decreto surgiu um dia depois de o Bureau Político do MPLA, partido no poder desde a independência, em 1975, e também liderado por João Lourenço, ter aprovado a medida, com o intuito de estabelecer – segundo disse – um diálogo nacional e fortalecer as bases de consolidação da paz e da reconciliação nacionais.